segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Saia antes que eu me passe

A excelente série portuguesa "Conta-me como foi" retrata muito bem a realidade socio-política do final do Estado Novo e os cuidados com o guião, adereços e demais enquadramento, têm sido notáveis. No episódio de ontem o casamento de uma jovem com um padre foi um tema que mesmo sem o impacto dessa época, ainda hoje se diria "fracturante". Há uma década atrás, provavelmente seria assunto "tabu" e no início da década de 70, seria abordado como tema "proibido". Pois é, as palavras também estão sujeitas a modas. E neste último episódio, um pequeno detalhe escapou ao habitual rigor histórico. A certa altura o actor Carlos Guilherme, no papel de encolerizado pai da jovem, gritou ao padre "saia antes que eu me passe!". No início da década de 70, provavelmente o que teria dito seria "saia antes que eu perca a cabeça!".

Gaia: Filipe Menezes quer fundir freguesias

"O presidente da Câmara de Gaia anunciou hoje a intenção de fundir as 24 freguesias da cidade em «sete ou oito», o que poderá corresponder a uma «poupança de 12 milhões de euros por mandato».

A ideia de fusão de freguesias em Gaia será apresentada à oposição socialista do concelho numa carta que o autarca Luís Filipe Menezes irá enviar, propondo a criação de uma «comissão para estudar» essa possibilidade.

Essa proposta de fusão de «24 para sete ou oito, dentro de uma lógica de racionalidade», terá em consideração «a identidade dos grupos de freguesias», assegurou Menezes."

In Diário Digital / Lusa

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Um país insuportável

Crónica de Marinho Pinto, bastonário da Ordem dos Advogados;
"A falta de bom-senso e humildade constitui uma das principais causas da degenerescência da justiça portuguesa. Tudo seria simples se houvesse uma coisa que falta cada vez mais aos nossos magistrados: bom senso.

Uma mulher com 88 anos de idade morreu no seu apartamento em Rio de Mouro, Sintra, mas o corpo só foi encontrado mais de oito anos depois, juntamente com os restos mortais de alguns animais de companhia (um cão e dois pássaros).

Este caso, cujos pormenores têm sido abundantemente relatados na comunicação social, interpela-nos a todos não só pela sua desumanidade mas também pela chocante contradição entre os discursos públicos dominantes e a dura realidade da nossa vida social. Contradição entre promessas e garantias de bem-estar, de solidariedade e de confiança nas instituições públicas e uma realidade feita de solidão, de abandono e de impessoalidade nas relações das instituições com os cidadãos.

Apenas duas ou três pessoas se interessaram pelo desaparecimento daquela mulher, fazendo, aliás, o que lhes competia. Com efeito, uma vizinha e um familiar comunicaram o desaparecimento às autoridades policiais e judiciais mas ninguém na PSP, na GNR, na Polícia Judiciária e no tribunal de Sintra se incomodou o suficiente para ordenar as providências adequadas. Em face da participação do desaparecimento de uma idosa a diligência mais elementar que se impunha era ir à sua residência habitual recolher todos os indícios sobre o seu desaparecimento. É isto que num sistema judicial de um país minimamente civilizado se espera das autoridades policiais e judiciais, até porque o caso era susceptível de constituir um crime. O assalto e até assassínio de idosos nas suas residências não são, infelizmente, casos assim tão raros em Portugal. Mas, sintomaticamente, as autoridades judiciais não só não se deram ao trabalho de se deslocar à residência como, inclusivamente, recusaram-se a autorizar os familiares a procederem ao arrombamento da porta de entrada.

E tudo seria tão simples se houvesse uma coisa que falta cada vez mais aos nossos magistrados: bom senso. Mas não. Dava muito trabalho ir à uma residência procurar pistas sobre o desaparecimento de uma pessoa. Dava muito trabalho oficiar outras instituições para prestar informações sobre esse desaparecimento. Sublinhe-se que um primo da idosa se deslocou treze vezes ao tribunal de Sintra para que este autorizasse o arrombamento da porta da sua residência. Mas, em vez disso, o tribunal, lá do alto da sua soberba, decretou que a desaparecida não estava morta em casa, pois, se estivesse, teria provocado mau cheiro no prédio. É esta falta de bom-senso e humildade perante a realidade que constitui uma das principais causas da degenerescência da justiça portuguesa. Os nossos investigadores (magistrados e polícias) não investigam para encontrar a verdade, mas sim para confirmarem as verdades que previamente decretam. E, como algumas dessas verdades são axiomáticas, não carecem de demonstração.

Mas há mais entidades cujo comportamento revela que a pessoa humana não constitui motivo suficientemente forte para as obrigar a alterar as rotinas burocráticas e impessoais.

A luz da cozinha daquele apartamento esteve permanentemente acesa durante um ano, ao fim do qual a EDP cortou o fornecimento de energia eléctrica, sem se interessar em averiguar o motivo pelo qual um consumidor deixou de cumprir o contrato celebrado entre ambos.

Os vales da pensão de reforma deixaram de ser levantados pela destinatária, mas a segurança social nada se preocupou com isso. Ninguém nessa instituição estranhou que a pensão de reforma deixasse de ser recebida, ou seja, que passasse a haver uma receita extraordinária sem uma causa. E isto é tanto mais insólito quanto os reformados são periodicamente obrigados a fazerem prova de vida. Mas isso é só quando estão vivos e recebem a pensão.

Os CTT atulharam a caixa de correio daquela habitação de correspondência que não era recebida sem que nenhum alerta alterasse as suas rotinas.

Finalmente, as finanças penhoraram uma casa e venderam-na sem que o respectivo proprietário fosse citado. Como é que é possível num país civilizado penhorar e vender a habitação de uma pessoa, aliás, por uma dívida insignificante, sem que essa pessoa seja citada para contestar? Sem que ninguém se certifique de que o visado tomou conhecimento desse processo? Como é possível comprar uma casa sem a avaliar, sem sequer a ver por dentro? Quem avaliou a casa? Quem fixou o seu preço?

Claro que agora aparecem todos a dizer que cumpriram a lei e, portanto, ninguém poderá ser responsabilizado porque a culpa, na nossa justiça, é sempre das leis. É esta generalizada irresponsabilidade (ninguém responde por nada) que está a tornar este país cada vez mais insuportável."

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

"Bloco Central de Interesses"

Ontem na TVI, foi assim que o Professor Marcelo Rebelo de Sousa se referiu à recusa do PS e PSD em aprovarem a limitação dos vencimentos dos gestores públicos ao do Presidente da República. Curiosa esta noção de equilíbrio na distribuição dos sacrifícios...

Seixal - instabilidade social latente?

Um carro ligeiro e um autocarro arderam no Seixal. Um jovem foi detido e alegadamente agredido pela PSP que por sua vez refere injúrias aos agentes, resistência na detenção e dissocia os acontecimentos. São sinais de alerta de que a instabilidade social pode estar latente.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Recessão: sim ou não?

Soares dos Santos do Grupo Jerónimo Martins (Cadeia Pingo Doce), apelou hoje a que os políticos falem verdade e afirmou peremptoriamente que Portugal já está em recessão. Com a cobertura geográfica da cadeia de distribuição, não tenho dúvida que tem um indicador mais fiável e imediato do que o INE ou o Banco de Portugal dispõem. Belmiro de Azevedo do grupo Sonae expressou que não receia a entrada do FMI depreendendo-se das suas declarações que não confia na capacidade de autonomamente se tomarem as medidas que a grave situação impõe. Acrescentou ainda que por escassez de financiamento, o grupo reduzirá a metade o investimento planeado para 2011. E o problema é que seguramente estes seriam projectos com capacidade reprodutiva, criando valor e emprego, o que não acontece com muito do investimento público onde ainda agora, se continuam a delapidar recursos num momento tão grave da vida do País para o qual, parece que só agora, quando começa a doer no bolso, os portugueses estão a acordar. Só que não acordam de um sonho. É um pesadelo e será longo.

Bartoon

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Afinal quem tem razão?

O Governador do Banco de Portugal Carlos Costa, afirmou que Portugal já se encontrava em recessão. O Presidente do Tribunal de Contas Guilherme de Sousa Martins veio corrigir e disse que tecnicamente não era assim. São ambos profissionais altamente qualificados e pessoas de reconhecidíssima idoneidade. Também ambos me merecem grande admiração. Então, quem tem razão? Muito provavelmente ambos! Tecnicamente é como diz o Presidente do Tribunal de Contas: convencionou-se que só após dois trimestres sucessivos de crescimento negativo do PIB a economia é declarada em recessão. No 3.º Trim. de 2010 o crescimento do PIB foi positivo e no 4.º Trim. foi negativo. Ainda estamos a meio do 1.º trimestre de 2011, mas isso significa que certamente o Governador do Banco de Portugal já possui indicadores inequívocos que apontam para um crescimento negativo do PIB também neste trimestre. O bom comportamento da procura externa muito provavelmente não chegará para compensar a contracção do consumo interno e do investimento. Mais dificuldades para os objectivos de execução orçamental, ou seja, muito em especial, para a mais que sacrificada classe média.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

A SAÚDE MENTAL DOS PORTUGUESES

Não resisto a transcrever o artigo do médico psiquiatra Pedro Afonso, publicado no Público em 21/6/2010 mas que se mantém pleno de actualidade:
"Alguns dedicam-se obsessivamente aos números e às estatísticas esquecendo que a sociedade é feita de pessoas.
Recentemente, ficámos a saber, através do primeiro estudo epidemiológico nacional de Saúde Mental, que Portugal é o país da Europa com a maior prevalência de doenças mentais na população. No último ano, um em cada cinco portugueses sofreu de uma doença psiquiátrica (23%) e quase metade (43%) já teve uma destas perturbações durante a vida.
Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque assisto com impotência a uma sociedade perturbada e doente em que violência, urdida nos jogos e na televisão, faz parte da ração diária das crianças e adolescentes. Neste redil de insanidade, vejo jovens infantilizados incapazes de construírem um projecto de vida, escravos dos seus insaciáveis desejos e adulados por pais que satisfazem todos os seus caprichos, expiando uma culpa muitas vezes imaginária. Na escola, estes jovens adquiriram um estatuto de semideus, pois todos terão de fazer um esforço sobrenatural para lhes imprimirem a vontade de adquirir conhecimentos, ainda que estes não o desejem. É natural que assim seja, dado que a actual sociedade os inebria de direitos, criando-lhes a ilusão absurda de que podem ser mestres de si próprios.
Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque, nos últimos quinze anos, o divórcio quintuplicou, alcançando 60 divórcios por cada 100 casamentos (dados de 2008). As crises conjugais são também um reflexo das crises sociais. Se não houver vínculos estáveis entre seres humanos não existe uma sociedade forte, capaz de criar empresas sólidas e fomentar a prosperidade. Enquanto o legislador se entretém maquinalmente a produzir leis que entronizam o divórcio sem culpa, deparo-me com mulheres compungidas, reféns do estado de alma dos ex-cônjuges para lhes garantirem o pagamento da miserável pensão de alimentos.
Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque se torna cada vez mais difícil, para quem tem filhos, conciliar o trabalho e a família. Nas empresas, os directores insanos consideram que a presença prolongada no trabalho é sinónimo de maior compromisso e produtividade. Portanto é fácil perceber que, para quem perde cerca de três horas nas deslocações diárias entre o trabalho, a escola e a casa, seja difícil ter tempo para os filhos. Recordo o rosto de uma mãe marejado de lágrimas e com o coração dilacerado por andar tão cansada que quase se tornou impossível brincar com o seu filho de três anos.
Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque a taxa de desemprego em Portugal afecta mais de meio milhão de cidadãos. Tenho presenciado muitos casos de homens e mulheres que, humilhados pela falta de trabalho, se sentem rendidos e impotentes perante a maldição da pobreza. Observo as suas mãos, calejadas pelo trabalho manual, tornadas inúteis, segurando um papel encardido da Segurança Social.
Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque é difícil aceitar que alguém sobreviva dignamente com pouco mais de 600 euros por mês, enquanto outros, sem mérito e trabalho, se dedicam impunemente à actividade da pilhagem do erário público. Fito com assombro e complacência os olhos de revolta daqueles que estão cansados de escutar repetidamente que é necessário fazer mais sacrifícios quando já há muito foram dizimados pela praga da miséria.
Finalmente, interessa-me a saúde mental de alguns portugueses com responsabilidades governativas porque se dedicam obsessivamente aos números e às estatísticas esquecendo que a sociedade é feita de pessoas. Entretanto, com a sua displicência e inépcia, construíram um mecanismo oleado que vai inexoravelmente triturando as mentes sãs de um povo, criando condições sociais que favorecem uma decadência neuronal colectiva, multiplicando, deste modo, as doenças mentais.
E hesito em prescrever antidepressivos e ansiolíticos a quem tem o estômago vazio e a cabeça cheia de promessas de uma justiça que se há-de concretizar; e luto contra o demónio do desespero, mas sinto uma inquietação culposa diante destes rostos que me visitam diariamente."