quinta-feira, 3 de maio de 2012

ASSASSINATO DE FRANCISCO SÁ CARNEIRO - CONFISSÃO DE FERNANDO FARINHA SIMÕES - Parte 1

Fiquei estupefacto ao ler o conteúdo da carta. Comparativamente com este relato, os filmes de polícias secretas parecem fotografias debotadas. O texto é extenso e publicarei por partes. Esta é a primeira.

"Assassinato do Primeiro-ministro Francisco Sá Carneiro, e o envolvimento dos americanos.

Eu, Fernando Farinha Simões, decidi finalmente, em 2011, contar toda a verdade sobre Camarate.
No passado nunca contei toda a operação de Camarate, pois estando a correr o processo judícial, poderia ser preso e condenado.
Também porque durante 25 anos não podia falar, por estar obrigado ao sígilo por parte da CIA, mas esta situação mudou agora, ao que acresce o facto da CIA me ter abandonado completamente desde 1989.
Finalmente decidi falar por obrigação de consciência.
Fiz o meu primeiro depoimento sobre Camarate, na Comissão de Inquérito Parlamentar, em 1995.
Mais tarde prestei alguns depoimentos em que fui acrescentando factos e informações.
Cheguei a prestar declarações para um programa da SIC, organizado por Emílio Rangel, que não chegou contudo a ir para o ar.
Em todas essas declarações públicas contei factos sobre o atentado de Camarate, que nunca foram desmentidos, apesar dos nomes que citei e da gravidade dos factos que referi.
Em todos esses relatos, eu desmenti a tese oficial do acidente, defendida pela Polícia Judiciária e pela Procuradoria-geral da Republica.
Numa tive dúvidas de que as Comissões de Inquérito Parlamentares estavam no caminho certo, pois Camarate foi um atentado.
Devo também dizer que tendo eu falado de factos sobre Camarate tão graves e do envolvimento de certas pessoas nesses factos, sempre me surpreendeu que essas pessoas tenham preferido o silêncio.
Estão neste caso o Tenente Coronel Lencastre Bernardo ou o Major Canto e Castro.
Se se sentissem ofendidos pelas minhas declarações, teria sido lógico que tivessem reagido.
Quanto a mim, este seu silêncio só pode significar que, tendo noção do que fizeram, consideraram que quanto menos se falar no assunto, melhor.
Nessas declarações que fiz, desde 1995, fui relatando, sucessivamente, apenas parte dos factos ocorridos, sem nunca ter feito a narração completa dos acontecimentos.
Estavamos ainda relativamente proximos dos acontecimentos e não quis portanto revelar todos os pormenores, nem todas as pessoas envolvidas nesta operação.
Contudo, após terem passado mais de 30 anos sobre os factos, entendi que todos os portugueses tinham o direito de conhecer o que verdadeiramente sucedeu em Camarate.
Não quero contudo deixar de referir que hoje estou profundamente arrependido de ter participado nesta operação, não apenas pelas pessoas que aí morreram, e cuja qualidade humana só mais tarde tive ocasião de conhecer, como do prejuízo que constituiu, para o futuro do país, o desaparecimento dessas pessoas.
Naquela altura contudo, Camarate era apenas mais uma operação em que participava, pelo que não medi as consequências.
Peço por isso desculpa aos familiares das vítimas, e aos Portugueses em geral, pelas consequências da operação em que participei.
Gostaria assim de voltar atrás no tempo, para explicar como acabei por me envolver nesta operação.
Em 1974 conheci, na África do Sul, a agente dupla alemã, Uta Gerveck, que trabalhava para a BND (Bundesnachristendienst) - Serviços de Inteligência Alemães Ocidentais, e ao mesmo tempo para a Stassi.
A cobertura legal de Uta Gerveck é feita através do conselho mundial das Igrejas (uma espécie de ONG), e é através dessa fachada que viaja praticamente pelo Mundo todo, trabalhando ao mesmo tempo para a BND e para a Stassi.
Fez um livro em alemão que me dedicou, e que ainda tenho, sobre a luta de liberdade do PAIGC na Guiné Bissau.
O meu trabalho com a Stassi veio contudo a verificar-se posteriormente, quando estava já a trabalhar para a CIA.
A minha infiltração na Stassi dá-se por convite da Uta Gerveck, em 1976, com a concordância da CIA, pois isso interessava-lhes muito.
Úta Gerveck apresenta-me, em 1978, em Berlim Leste, a Marcus Wolf, então Director da Stassi.
Fui para esse efeito então clandestinamente a Berlim Leste, com um passaporte espanhol, que me foi fornecido por Úta Gerveck.
0 meu trabalho de infiltração na Stassi consistiu na elaboração de relatórios pormenorizados acerta das “toupeiras" infiltradas na Alemanha Ocidental pela Stassi.
Que actuavam nomeadamente junto de Helmut Khol, Helmut Schmidt e de Hans Jurgen Wischewski.
Hans Jurgen Wischewski era o raponsável pelas relações e contactos entre a Alemanha Ocidental e de Leste, sendo Presidente da Associação Alemã de Coopenção e Desenvolvimento (ajuda ao terceiro Mundo), e também ia às reuniões do Grupo Bilderberg.
Viabilizou também muitas operações clandestinas, nos anos 70 e 80, de ajuda a gupos de libertação, a partir da Alemanha Ocidental.
Estive também na Academia da Stassi, várias vezes, em Postdan - Eiche."

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